Teatro da Trindade

Conheço este teatro de trás para a frente. Porquê? Porque foi lá que representei a última peça da minha vida, como actriz. Até agora! A Expo 98 foi uma festa lindíssima, com a cidade toda animada, com projectos mil. Aqui fizemos «O rapaz de papel», uma peça de Joan Font, encenador dos Furia del Baus e, com música do Pedro Abrunhosa. Mas não é só isso. Este teatro traz-​me recordações fantásticas. Desde a infância quando vinha ver peças infantis, trazendo depois os meus filhos e, finalmente, trabalhando naquela sala maravilhosa, sabendo que estou a pisar o mesmo palco que alguns dos grandes do nosso teatro de há cento e cinquenta anos a esta parte. É um teatro maravilhoso, com uma acústica fantástica, um cheiro muito especial. Ainda trabalha em pleno apesar de alguns contratempos que o impedem de levar mais producções a cena. Mas está vivo e recomenda-​se! Vi aqui grandes peças, ouvi grandes concertos, fiz cenários, representei, cantei, enfim… Tenho um bocadinho deste teatro guardado para sempre. E ele tem um bocadinho de mim.

O Teatro da Trindade tem uma longa história, de quase 150 anos, nos quais viu passar os melhores actores portugueses de várias gerações. A sua sala principal, com uma decoração sumptuosa, ajuda a criar o ambiente perfeito para óperas ou espectáculos de teatro clássico. A sala estúdio acolhe habitualmente peças de cariz mais experimentalista ou de estéticas mais diferentes que o habitual. O último espectáculo que lá vi foi o musical «Esta vida é uma cantiga», com Simone de Oliveira e Anita Guerreiro, para quem eu acredito que pisar novamente o palco deste teatro, que é um dos mais antigos de Lisboa, seja sempre uma emoção.

Há lá luxos que se comparam a assistir a uma peça no Teatro da Trindade? Entrar neste espaço é viajar na História de Portugal e retroceder até ao século XIX, época rica na cultura portuguesa e lisboeta e na qual este Teatro foi fundado. Ao longo dos seus 140 anos, o Trindade tem recebido nos seus palcos o talento e carisma dos maiores nomes do Teatro português: Palmira Bastos, António Silva, Beatriz Costa, Vasco Santana e Eunice Muñoz, entre tantos e, felizmente, tantos outros.
Apesar de contar com um passado tão distinto, o Teatro da Trindade continua a ser um dos centros de cultura com mais prestígio em Lisboa e no país, somando admiradores até nas novas gerações. É o meu caso. Posso não visitar este Teatro tantas vezes como desejaria, mas os poucos momentos que vivi no Trindade vão ficar eternizados na minha memória. Como poderia esquecer da divertida história de «O Libertino», na qual um inspiradíssimo José Raposo dá vida ao filósofo Denis Diderot? E aquela recriação tão viva dos anos 50 nova-​iorquinos em «Do Alto da Ponte», de Arthur Miller? Ah, e até hoje ainda me faltam palavras para descrever a interpretação de António Capelo em «Otelo», na qual o ator interpreta a personagem-​título. «Soberba» serve?

O teatro da Trindade é uma instituição incontornável do teatro e da própria cidade de Lisboa.
Eu como amante de história, sou fascinada pela história deste teatro construído no século XIX. Um dos apontamentos mais extraordinários é o facto de ter sido aqui que, em 1879, foi apresentado o fonógrafo de Edison, bem como a infindável lista de actores que aqui se apresentaram como Vasco Santana, Beatriz Costa, António Silva, Costinha, bem como a grande fadista Amália Rodrigues, ou um dos meus ídolos de sempre Astor Piazzola.
Quanto à minha própria história pessoal, não me canso de referir sempre que posso que foi aqui que vi das melhores peças na minha vida. E muitas delas teatro alternativo, na sala estúdio, de grandes actores e actrizes ainda desconhecidos pelo grande público.
Bravo e aplaudo de pé. Aguardo outras tantas peças tão boas ou melhores.